A mudança da hora é um cisma crónico que se divide em duas frentes: os que odeiam as manhãs escuras e os que detestam as tardes escuras. E por esta altura do ano, já todos acordamos em claridade mas regressamos às nossas casas em soturnidade completa, mergulhados numa escuridão que agrava as emoções negativas tão sentidas durante o outono.
Nos meses frios, quando o sol se põe mais cedo e os dias parecem mais curtos, há uma parte de nós que esmorece. E em Portugal, estamos habituados à luz. Estes filhos do sol crescem com janelas abertas, passeios à beira-mar e cervejas nas esplanadas.
Quando chega o escuro, este povo silencia-se num desgosto coletivo, procurando as mais diversas formas de se “iluminar”.
Mas e se…e se…talvez não precisemos de resistir a este breu?
Reaprender a viver na escuridão e no silêncio

O escuro faz parte do ciclo natural. É o tempo do repouso, da regeneração e da introspeção. Mas há um coletivo cultural dos tempos modernos que valoriza apenas o visível — o movimento, a produtividade, a exposição constante. Vivemos como se o escuro fosse um erro. Acendemos ecrãs, lâmpadas, distrações — tudo para não ouvir o silêncio. Escapamos entre as pingas negras que nos chamam para um lugar de tranquilidade. Essa tranquilidade que tantas, demasiadas vezes até, escolhemos ignorar porque de alguma forma viver sem fazer nada é voltar à idade das trevas…literalmente.
Neste mês parece estarmos num suspense até à loucura das festas natalícias. Não nos enganemos a nós próprios – há um lado sórdido em nós que busca essa azafama. As luzes, a música, a multidão, as compras, as listas, as tarefas… Enquanto dizemos a nós próprios e aos outros que “Ai, ainda falta tanto para o natal, nem quero pensar nisso!”, interiormente vivemos um tédio sazonal desnecessariamente.
A relação das culturas nórdicas com a luz
Com certeza que já ouviste falar em hygge. Ou até koselig. Ou mys ou ljus. A malta do norte tem uma grande proximidade cultural (já quase biológica) com o conforto. (Porque será?) Talvez porque são sujeitos a condições climatéricas que nós, portugueses pequeninos e sortudos, nunca iremos sequer conceptualizar até estarmos enterrados em 90cm de neve, ou porque são um povo socialmente tão maduro que, novamente, nós pequeninos tugas dificilmente entendemos.
Mas estes senhores lá de cima têm uma relação estratégica com o conforto. No norte, o frio e a escuridão prolongada levaram as pessoas a passar muito tempo dentro de casa e o conforto indoors tornou-se, primeiro, uma forma de sobrevivência emocional e, depois, uma estratégia de bem-estar.
Há também uma consciência sobre como a falta de luz solar afeta o humor e a saúde mental. Por isso, criar ambientes acolhedores é entendido como um gesto de profilaxia e higiene emocional coletiva — uma maneira de manter o equilíbrio durante os meses longos e escuros, com uma inerente compreensão de saúde pública e mental envolvida.
Daí a ênfase na luz interior e social como forma de profilaxia natural:
- Lâmpadas de luz quente e indireta em casa;
- Convívios pequenos e regulares (rotina, não evento isolado);
- Alimentação quente, têxteis suaves, cores neutras;
- Um ideal de bem-estar que valoriza o mood, não o luxo.
Acender as luzes do interior
Conheço há muitos anos um casal em que ela é portuguesa e ele norueguês. E desde pequena que me questionava porque é que quando ia a casa deles até as luzes da casa de banho estavam acesas, quando o meu pai era um inspetor da economia energética na nossa casa.
E um dia ela explicou-me que na noruega é prática ter todas as luzes da casa ligadas durante os meses frios. Não querendo puxar a brasa ao meu raciocínio, mas sempre foi uma casa onde me senti muito bem. Sempre me senti acolhida e leve naquele lar. Naturalmente que não era só pela suas luzes e arquitetura fofa. Mas acredita: até hoje, essa casa continua a inspirar a minha prática doméstica.
Compreendo que numa era de sustentabilidade e controlo energético possa parecer um despeito ecológico ligar todas as luzes da casa. Mas eu adoro ter, pelo menos, o meu quarto iluminado com um pequeno candeeiro de mesinha de cabeceira. É um género de farol da casa. Entro sempre num quarto “iluminado”. Esteja onde estiver na casa, os quartos serão sempre portos de luz e conforto.
Dicas para iluminar a casa nos meses de outono e inverno
- Velas (orgânicas ou elétricas);
- Luzes quentes (evita as luzes brancas ou azuis, são demasiado estimulantes);
- Fogo (ou simulação de fogo: velas agrupadas, lareira);
- Iluminação indireta, lateral (não superior) e em locais estratégicos — junto a livros, plantas ou peças artísticas;
- A luz das pessoas — convívios pequenos, conversas, gargalhadas;
- A luz do tempo bem usado: cozinhar devagar, ler, descansar.
Introduzir a luz em pequenos hábitos domésticos:
- Refeições: desfrutar de luz intimista e do silêncio dos ecrãs desligados; mesmo que seja hábito comeres sozinho, opta por apenas ouvir (música, rádio);
- Diminuir a intensidade das luzes a partir da hora do jantar para promover o relaxamento até à hora de te ires deitar (acredita que faz muita diferença deitar um corpo estimulado e um corpo relaxado);
- Manhã: em vez de luzes artificiais fortes, abre as cortinas cedo e deixa o corpo acordar com a claridade natural, ainda que seja fraca. Essa luz matinal é reguladora do ritmo circadiano e um ótimo antídoto para o humor de inverno.
A prática de viver com menos luz
Não se trata de encontrar refúgio absoluto em casa agora que os dias se encurtam. Há um vasto leque de atividades urbanas e culturais que podemos fazer mesmo nesta altura: jantar fora, passear pela cidade, ir ao cinema, assistir a um concerto, tomar um copo com amigos.
Ainda que o escuro pareça um convite à inércia, vivemos num país onde o clima ameno nos permite ir além da preguiça. É natural, contudo, que a chuva, o vento e as temperaturas mais frias nos empurrem para dentro.
E talvez seja exatamente aí que resida a proposta deste tempo: abraçar o interior — o da casa e o de nós mesmos. Transformar o recolhimento em conforto profilático; criar hábitos que nos embalam e protegem durante a estação sombria.
E se não for no espaço físico que encontramos abrigo, que seja dentro de nós — onde habita a luz genuína que nos acolhe e guia.
Obrigada por estares desse lado,
Sara – Slow Living Portugal





