Casa slow – casa limpa, organizada e acolhedora
Considero-me uma pessoa eclética na forma de ver a vida. Ora hoje gosto de uma coisa, amanhã já aprecio outra. E no que diz respeito ao que é a minha casa, tanto adoro passar os dias dentro das suas paredes como preciso de sair e libertar-me das mesmas.
Como mencionado no texto “A Jornada da Mudança: de 2023 a 2024” tenho o sonho de viver numa casa térrea com terreno suficiente para cultivar e colher os meus próprios essenciais.
– Uma casa onde a porta da cozinha que dá acesso ao quintal esteja sempre aberta, onde entram e saem a minha família e os meus animais de companhia, rodeada de pequenas janelas onde entram raios de sol que criam uma luz quentinha e amarelada nos contornos das madeiras naturais.
– Paredes repletas de memórias fotográficas que me fazem parar e relembrar, mantas quentinhas estiradas no sofá, potes de vidro e metal recheados de especiarias e bolachas caseiras, ervas aromáticas em pequenos potes que repousam e aromatizam a cozinha, o alpendre de ladrilho laranja quente onde posso andar descalça e sentir as folhas secas, colchas de cor cru envolvidos em lençóis de padrão floral, caixas de madeira pintada onde guardo os meus nick-nacks de beleza…
– Um alpendre humilde onde me espraio numa cama de rede em cru, passando assim tardes inteiras com um olho num livro e outro nas laranjeiras do meu quintal, com o sol a espreitar em cor mostarda e a acariciar-me o rosto já rubi.
Mas por enquanto, sonho com esse sonho.
Descrições à moda do Eça à parte, acredito profundamente que o que faz um lar são as pessoas que lá moram. As longas conversas e serões de amor. Mas numa perspetiva mais realista, há bens materiais e não vivos que não possuem gestão nem vontade própria e, como tal, necessitam da intervenção doméstica ao alcance de qualquer membro funcional dos residentes.
Organização e Limpeza
– o impacto na saúde mental e humor
Muitas vezes, subestimamos o poder que um ambiente que nos envolve pode ter sobre o nosso bem-estar emocional. Há diversos estudos, metodologias e experiências pessoais que destacam a relação direta entre a organização do lar e a saúde mental. E até aqui, isto é conhecimento geral, senso comum. O estado da organização do nosso lar é reflexo da nossa organização mental. Sendo assim, podemos inferir que uma casa organizada reflete algo no nosso humor – e esse reflexo é de sensação de tranquilidade e serenidade.
Que impacto direto e imediato é que uma casa organizada tem no nosso humor?
- Redução do Stress: A “poluição visual” pode sobrecarregar o nosso cérebro, dificultando o relaxamento e a concentração.
- Melhoria do Foco e Produtividade: Quando os nossos objetos estão organizados, o nosso cérebro tende a espelhar essa ordem, tornando mais fácil concentrarmo-nos nas tarefas e aumentar a nossa produtividade.
- Promoção do Bem-estar emocional e Autoestima: O cuidado doméstico pode ser terapêutico, proporcionando uma sensação de realização/conquista e controlo sobre as nossas vidas. Além disso, um espaço limpo e organizado é mais convidativo ao relaxamento e tranquilidade.
- Melhoria na Qualidade do Sono: Um quarto limpo, tranquilo e livre de desarrumação cria as condições ideais para relaxar e descansar, contribuindo para uma noite de sono mais reparador e produtivo.
Simplificar a Desordem – Desapego
Uma das pedras basilares do Slow Living é a simplicidade. E há quem até associe o minimalismo a esta forma de vida. Na minha modesta opinião, acredito que pode haver um apego saudável a certos objetos, pois se há objetos que nos trazem tranquilidade, uma nostalgia positiva e um conforto emocional, penso que o minimalismo radical poderá ter um impacto desconfortável.
E, como em tudo na vida, a regra é “se te faz feliz e saudável…” – está tudo bem!
Por outro lado, percebi que um dos caminhos slow é simplificar o nosso consumo e torná-lo mais consciente. E, manifestamente, possuir muito e muita coisa não tem um impacto positivo direto na nossa felicidade.
- Reconhecer o Peso do Apego: É absolutamente natural apegarmo-nos a objetos que têm significado para nós. No entanto, quando o apego é excessivo, estamos inconscientemente a formar um gatilho padronizado para o apego a futuros objetos. Nesse sentido, é saudável ter uma perspetiva consciente e equilibrada do significado que “meros” objetos têm.
- Desapego Consciente: Com a prática do desapego consciente, aprendemos a separar o valor emocional do valor prático de cada objeto, o que nos permite estabelecer limites entre o que guardamos e o que descartamos sem arrependimentos/culpa.
- Espaço para o Novo: Não acredito no paradigma “esvaziar para colocar novo”. É contraproducente. Não faz sentido. Se há uma vontade de simplificar, a mesma não pode ser desculpa para alimentar o mesmo ciclo de consumo. O que uma casa organizada e simplificada vai permitir é espaço para renovação e novas experiências: um novo hobby, espaço para convívio, espaço para dançar, espaço para brincar…
- Gratidão: Neste processo de desapego emocional, vamos cultivar a gratidão pelo que temos. Ao reconhecer a importância e o significado dos itens que escolhemos manter, podemos apreciá-los mais conscientemente – reconhecer o espaço emocional que aquele objeto ocupa no nosso coração.
Fronteiras – na porta de entrada não entra trabalho, stress ou más energias
O que é que eu costumo dizer sempre? “Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque.” Num mundo onde a vida profissional sobrepõem-se muitas vezes à nossa vida pessoal, criar uma casa onde NÃO há espaço para assuntos de trabalho é uma forma poderosa de priorizar o Slow Living e cuidar da nossa saúde mental.
A nossa casa deverá ser o nosso refúgio, onde podemos respirar de alívio. Onde guardamos as nossas coisas, onde tem o nosso cheiro, onde confidenciamos a nossa intimidade, onde nos desconectamos do mundo exterior e deixarmo-nos enterrar no sofá sem justificativos. O santuário!
Este mantra – trabalho é trabalho, conhaque é conhaque – é poderosíssimo! Vai acompanhar-te para fora de casa. Acredita, é possível viver duas vidas distintas – quem tu és no teu santuário (casa) e quem tu és no emprego. A mesma pessoa, versões diferentes e que coexistem.
Estética e Design
Não tenho fascínio nenhum por casas modelos – casas mergulhadas em design e feng-shui, mas desprovidas de alma. Aliás, desafio qualquer família, casal ou indivíduo com uma dita vida normal de 8h de trabalho diário e sem ajuda de profissionais, a apresentar-me a sua casa numa quinta-feira às 20h que não tenha roupa por lavar e dobrar, chão por varrer, prateleiras desorganizadas, casa de banho por escovar, despensa por reabastecer e arrumar, casacos por guardar…
Havendo um equilíbrio saudável entre o funcional/organizado e o confortável/mundano, estamos perante um lar e um santuário de descanso, descompressão e bem-estar onde reina a autenticidade.
- Essenciais de um interior Slow Living: Valorizar a qualidade sobre a quantidade, a simplicidade sobre a complexidade e o consumo inteligente e consciente.
- Simplicidade e Funcionalidade: Opta por espaços descomplicados, onde cada elemento tem um propósito e uma função clara. Livra-te do excesso de decoração e mobília, criando espaço apenas para o teu essencial.
- Materiais Naturais, Sustentáveis e Low Tox: Valoriza materiais naturais e sustentáveis como madeira, pedra, rattan, linho e algodão, que remetam para a natureza. Evita ainda objetos com partículas tóxicas que a longo prazo podem ter uma consequência negativa na tua saúde.
- Luz Natural e Cores Suaves: Deixa a luz tomar conta das tuas divisões maximizando janelas/varandas e complementando-as com têxteis claros e/ou transparentes. Opta ainda por cores suaves que convidam ao relaxamento (tons de branco, bege, cinza, verde e pastéis costumam ser best-sellers)
- Conexão com a Natureza: Plantas, plantas, plantas!!!! Esteticamente, não há nada como uma planta para trazer vida à divisão. É aquele clássico estilístico que nunca irá sair de moda (se valorizares esse fator). No texto “Conectividade com a Natureza” abordei sucintamente a arquitetura biofílica e como esta pode ser uma abordagem para tornar as urbes mais orgânicas. Se fizermos um exercício proporcional, poderá ser muito benéfico para a nossa saúde ter em casa elementos verdadeiramente naturais (plantas, água corrente, pedras, madeiras, etc.).
Estética e Design
Existe uma tendência de Design de Interiores Slow Living, mas sinceramente não me diz nada. Há uma lógica por trás, um guia visual que destaca estes elementos naturais, cores neutras, bla bla bla, mas não é de todo produtivo investir num projeto de renovação de casa, ainda que DIY, para estarmos em conformidade. (Por favor, o que é isso da conformidade?)
O importante (e a essência do Slow Living) é a autenticidade e consciência nas nossas opções de vida.
Se tens 3.000 ímãs de frigorífico porque é algo que te satisfaz, preenche, traz conforto emocional e é benéfico para ti, quem sou eu, ou seja quem for, para te dizer “isso está errado!”.
Desfruta da tua casa, dos teus objetos, da luz, do sofá confortável, da cama que te abraça, da cozinha onde preparaste 1001 pratos deliciosos, da sala onde fizeste dezenas de serões… Vive a tua casa, o teu lar! É lá onde tu és mais tu, a versão selvagem e em cru da pessoa que és, desprendida de todos os conceitos do mundo que te espera lá fora.
Obrigada por estares desse lado!
Sara – Slow Living Portugal